domingo, 18 de março de 2007

O Quinto Mal Amado (ou Amar é Estela)

O amor comeu os pôr-de-sol que eu não vi e as lembranças do cais. Comeu o luar e as estrelas. E a estrela mais bela era Estela, que como a lua cheia que só mostra uma face, se apagou de mim, agora céu nublado.
O amor comeu meus anos de vida e meus aniversários. Comeu os suvenires que eu tinha guardado. Comeu as horas que eu esperei para tentar dizer tudo o que eu sentia. E em todas essas horas eu só pensei em Estela, e ela pensava nos problemas dela.
O amor comeu as máscaras e as fantasias de carnaval. Só sobrou a máscara de Estela, que dança descalça no meu sono perdido. O amor comeu as notas e partituras das musicas que eu fiz pra Estela. Comeu as rimas e todo o significado que ela carregava, fazendo dela um lugar-comum.
O amor comeu a tatuagem que Estela fez em mim. E deixou uma ferida que até o tempo duvida que vá cicatrizar.
O amor comeu o céu também, em sua imensidão azul e triste. Comeu as poucas estrelas que lhe davam um brilho, o sol que jazia fraco, a lua e São Jorge. Só sobrou o dragão, e o dragão me atormenta a cada momento. O amor comeu todos os santos do céu, e na minha ladainha só havia o nome de Estela.
O amor comeu as poucas cidades por onde andei. Mas o que é o mundo pra quem viu o amor do outro lado do muro? E o amor comeu a rua da casa de Estela, e comeu as medidas e fronteiras, fazendo a nossa distância abstrata, oitenta e seis passos ou oitenta e seis léguas?
O amor comeu a minha inspiração e todas as palavras do meu vocabulário. Comeu dos meus sonhos até a mais simples das letras. Comeu o “eu te amo” que eu ia dizer na hora certa, e só me sobrou a lembrança de Estela.
O amor comeu todas as frutas, e só sobraram os cachos de Estela. O amor comeu o meu medo do salto e a vertigem da queda. Mas a dor maior é não cair nos braços de Estela.

Nelson Netto

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